Religião e Homossexualidade

22 abr

Ontem eu li um poste da Lola Aronovich intitulado “Assim me diz a Bíblia“, no qual me deu vontade de compartilhar um episódio que ocorreu comigo e minha sobrinha de 4 anos – que no episódio tinha 3. Porém, ao enviar o comentário, apareceu a mensagem de que ela não foi enviada por ter mais de 4.000 caracteres, cortei uma parte, tentei resumir mais, mas ainda assim aparecia a mensagem de que tinha mais de 4.000 caracteres. Então pensei: “oras, se tem tantos caracteres assim, farei um post em meu blog!” – E cá estou para contar-lhes uma história e lhes sugerir a leitura do texto de Lola.

Há alguns dias, talvez semanas já, minha sobrinha mais velha (tenho mais uma sobrinha e um sobrinho bebês) de então 3 aninhos de idade (a idade é importante, lembre-se dela!) estava mexendo no YouTube e vendo clipes de músicas americanas e descobriu a Katy Perry através do clipe Firework – ela também curte Justin Bieber, Black Eyed Peas, Avril Lavigne, Chiquititas, Restart, Marisa Monte, entre outros, que nós apresentamos para ela, assim como fazemos com vários estilos de músicas, mas é ela quem escolhe as que gostou ou não, não importando o quanto a gente diga que esta é ruim ou aquela é boa – pois se fosse, ela adoraria Mariah Carey por minha causa!

Mas voltando ao clipe em questão, Firework, recomendo também que leiam a letra (aqui a tradução), pois o clipe – um dos poucos – é totalmente construindo em cima da letra.

Nele, aborda-se questões bem corriqueiras entre adolescentes e jovens como a aparência, brigas entre pais, a sexualidade, o bullying etc. Tem uma jovem acima do peso que tem vergonha de tirar a roupa e entrar na piscina com os amigos em uma festa; tem um jovem triste em um canto de uma festa porque se sentia ‘peixe fora d’água’ devido sua homoafetividade – isso descobrimos depois, até então ele é apenas um jovem triste num canto de uma festa.

Eis que quando a Katy começa sua mensagem de que cada um de nós é importante do jeito que é, que não devemos nos envergonhar disso e que devemos nos mostrar como somos e sermos orgulhosos, e então o rapaz gay levanta e caminha em direção a outro rapaz e o beija, e é correspondido – agora parem tudo, pois aqui ocorre a parte mais importante de minha história! Minha sobrinha – lembram a idade? – que estava assistindo esse clipe (e eu estava vendo apenas para policiar o que ela estava assistindo por razões óbvias e ainda não conhecia esse clipe da Katy Perry) sem muito interesse até as faíscas saírem das pessoas e ela achar legal as pessoas brilharem como fogos de artifício, ficou em choque, com olhos arregalados e com uma expressão de total surpresa sem resquício de nojo ou alegria ao ver uma cena de dois rapazes se beijando, e então ela vira para mim, observando a minha reação e diz: “doi meninos se beijando! Não pode…”  – ainda aguardando o meu parecer para algo tão novo e no qual já taxou como errado devido influências externas (ela adora histórias de contos de fadas e da Barbie, e nem preciso dizer que em todas essas histórias não há casais homossexuais, e ela nunca viu um casal homossexual demonstrando afeto ao vivo e já viu inúmeros casais heterossexuais se beijando em sua frente, portanto, já presumiu que não era certo (e veja como faz toda diferença a reação/comportamento de um adulto nessas horas – arrisco-me a afirmar que é decisivo), e a minha reação foi neutra, pois para mim a cena não significava nada, seria a mesma reação ao ver um casal heterossexual se beijando, e notei que isso a deixou apreensiva – juro que ela ficou tensa! – e a cena já tinha passado há tempos. Foi então que resolvi abordar o tema já escolhendo a melhor forma de me fazer ser entendida devido sua curta idade. Primeiro eu ri e então falei “ele gosta do rapaz e o rapaz gosta dele e querem ser namorados, e namorados se beijam na boca” Sua reação foi rir e indagar “mas menino pode namorar menino?” e eu respondi “sim, pode, menino pode namorar menino ou menina, e menina pode namorar menina ou menino, basta os dois serem grandes e gostarem um do outro dessa forma…” Ela se deu por satisfeita com minha resposta e comentou nas outras três vezes em que assistiu ao clipe seguidamente que os rapazes estavam se beijando. Depois do choque, veio a dúvida, depois veio o graça, e então veio a normalidade – sempre me observando na parte em que os rapazes se beijavam – e me chamando nessa parte para que eu visse, caso não estivesse ao lado dela.

Além da questão dos rapazes gays, ela me perguntava sobre tudo que acontecia no clipe “por que o menino está triste?” “Por que a menina está triste?” Por que a mamãe está chorando?” Por que ele está descalço?” Por que estão correndo?” “Por que sai luz deles?” etc e claro que respondo a tudo de forma que ela entenda, meio superficialmente, pois na idade dela ninguém se prende a detalhes demais. Ela sempre faz isso com todos os clipes em cenas que ela não compreende, e faz isso nas primeiras vezes em que vê o clipe, seguidamente. Depois que ela compreende o clipe, ela passa a se concentrar na música e a tentar cantá-la, e depois parte para outro, mas nos dias seguintes volta ao clipe recém descoberto.

Então, no dia seguinte, ela quis ter a sessão YouTube dela, na qual normalmente estou sempre presente, e pediu para por o clipe dos fogos da Katy Perry. Dessa vez, na parte em que os meninos se beijaram, ela foi até seu quarto e pegou dois bonecos dela – dois Kens – e fez os dois se beijarem na boca “olha, se beijam como os dois meninos do filme” ela me disse – novamente observando minha reação que foi a mesma referente ao clipe, neutra. Eu balancei a cabeça e disse “é, eles estão namorando também”.

A partir daí, ela passou a pegar todas as bonecas e bonecos e formar pares homossexuais e heterossexuais e me mostrava. As Barbies se beijavam e ela dizia “meninas também podem?” – eu dizia “claro que sim, dois adultos podem namorar se se gostarem, homem ou mulher, tanto faz” – devo fazer uma adendo aqui, sou contra crianças namorando, ainda que saiba que é inofensivo, sem qualquer malícia, mas acho que é contraditório você achar lindinho uma criança de 3 anos namorando, quando acha que aos 10 não é apropriado ainda, pois gera a dúvida na criança: “como posso ser nova(o) para namorar aos 10 se quando tinha 3 achavam lindo?” e não gosto da sensualização precoce das meninas e dos meninos – mas isso é tema para outra hora.

Agora, lá em casa, nós vemos casais de todos os tipos em suas brincadeiras, mas a maioria ainda é heterossexual e não vejo problema nisso, pelo menos ela sabe que existem comportamentos diferentes desse e que são normais também.

E qual a minha intenção com toda essa história? Se não ficou óbvia, esclareço.

Nós somos produtos do meio também, e mesmo quando não falamos para uma criança sobre o que é certo e o que é errado, ela toma os exemplos – os comportamentos dos adultos e vai se moldando, quando ela tiver uma atitude considerada inapropriada, certamente será por já ter visto alguém fazendo isso ou por já tê-lo feito e não ter sido recriminada, da mesma forma como ela formará conceitos sobre comportamentos errados e acertados ao ver a reação dos que estão a sua volta diante destas situações.

Minha sobrinha, agora com 4 anos, acha normal ver um casal homossexual, como também acha normal meninas e meninos brincarem com os mesmos brinquedos e brincadeiras – pois já foi mostrado para ela que meninos e meninas são iguais, com exceção da diferença biológica da vagina e do pênis, e que podem brincar da mesma maneira, com as mesmas brincadeiras, portanto, ela brinca desde casinha e com bonecas, até correr e pular com meninos e brincar de lutinha e com espadas. Prefere vestidos e gosta de histórias em que tenha ação, mas sabe que pode usar roupas tidas como masculinas, e sabe que ela pode ser desde a inútil da princesa até a heroína, e até mesmo intercala os papéis em suas histórias imaginárias – sendo que na maioria das vezes, ela salva o príncipe – e agora até a princesa!!! Ela é livre para ser o que quiser ser, ela já sabe disso, e quando tem alguma dúvida, sempre fica atenta aos adultos que estão a sua volta – você nem precisa falar nada, ela nota sua atitude diante de um acontecimento.

Perceba como tudo influencia uma criança – se antes ela achava errado um comportamento homossexual ou meninas brincarem com brinquedos de meninos (e achar que existia essa diferença) – ela agora brinca e ainda responde se alguém a recriminar.

Tenho mais uma história relcaionada a esse tema, mas essa foi relatada por minha irmã.

Ela disse para minha irmã – mãe dela – que tem três namoradinhos – ela fala isso rindo, sempre – minha irmã fala que ela não pode ter namorados ainda, só quando crescer, mas pergunta quem são os namorados, ao que ela responde três nomes da turma dela: dois meninos e uma menina. Minha irmã diz para ela “mas a fulana é menina, por que não escolhe um dos meninos apenas?” ao que ela responde prontamente “a tia Daniela disse que pode” se referindo a ter tanto menino quanto menina como namorado(a), ao que minha irmã retruca falando “mas só quando você for grande e só pode escolher um “ – ela escolheu um menino – ela adora o garoto, diz que ele é dela e que são príncipe e princesa e vão para um castelo – olha aí a influência dos contos de fadas, ela não disse que o que falei era errado. Depois minha irmã me contou esse caso e eu contei a ela a história que envolve o clipe da Katy Perry – ela não faz objeção, apesar de ser do time que diz que aceitaria se um(a) filho(a) fosse gay/lésbica sem problema, mas que preferiria que fosse hetero por ser mais simples (o que entendo, mas não concordo).

Talvez seja importante esclarecer que somos brancas, de classe média, heterossexuais e que ela é cristã – inclusive minha sobrinha estuda em escola católica, pois minha família é católica em sua maioria, e a pequena já aprendeu vários comportamentos sexistas em sua curta vida nessa escola, mas eu sempre reverto a situação, com conhecimento da minha irmã – apesar de discordarmos em alguns pontos, ela prefere que eu aborde certas questões que ela não tem tato ou conhecimento necessário para elucidar.

Alguns familiares e pessoas próximas que souberam de toda essa história acharam que eu não deveria dizer que não tinha problema um relacionamento homossexual, e a maioria dessas pessoas se considera “mente aberta” e não homofóbicas, que tem amigos e até familiares gays etc, mas me parece que isso só vale com desconhecidos ou até certo ponto, há um limite e se fosse uma delas que estivesse ao lado de minha sobrinha quando ela ficou espantanda por dois rapazes se beijarem, provavelmente teria feito algum comentário antipático em relação ao comportamento – e agora me diga se ela estaria brincando com suas bonecas e bonecos montando casais tanto hetero quanto homossexuais se isso ocorresse? Claro que não, no mundo dela só existiram casais heterossexuais, esse comportamento seria o único concebível e quando se deparasse mais tarde com outro tipo de comportamento agiria preconceituosamente – o que não a impediaria, ainda assim, de refletir sobre a diversidade e observar que pessoas são diferentes em vários aspectos e aprender a conviver com isso.

É assim que vejo a questão da religiosidade também, sei que vão achar que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas para mim tem o mesmo princípio. Eu não percebo o plano espiritual ou divindade como algo importante, e inúmeros conceitos religiosos me são absurdos e outros tantos pura tolice, mas não viro para nenhum crente que conheç0 e debocho ou recrimino sua opção de acreditar em tais coisas, muito menos quero que ele deixe de acreditar em tudo isso e converso abertamente sobre o tema se ele quiser, sempre o respeitando. Então exijo o mesmo respeito.

Isto se aplica também a nossa complexa sexualidade. Sou heterossexual e não tenho problema com a homossexualidade, e entendo que pessoas não tenham sido educadas para ver normalidade na homossexualidade – apesar de que eu também não fui e nada me impediu de perceber que o fulano gay/a fulana lésbica tem todo o direito de expressar o que sente da mesma forma que eu, e que possui os mesmos deveres e direitos que eu, inclusive o de respeitar e ser respeitado, simples assim – e sei que algumas pessoas são educadas a pensar que é abominável, pecado etc(e quem ensina isso? e por que acredita nisso?), mas somos seres humanos pensantes(?), estamos sempre descobrindo coisas, já desmistificamos vários mitos, e todos sabemos o que é respeitar, então não há como aceitar que tantos religiosos (ou homofóbicos) se sintam no direito de impedir que homossexuais exerçam seus direitos – concedidos desde o nascimento – e desrespeitem um homossexual chamando-o anormal e doente, que o agrida, bata, humilhe ou cerceie. Perversidade é perseguir, condenar, humilhar e matar outros seres humanos e não amar ou sentir-se atraído por pessoas do mesmo sexo.

8 Respostas to “Religião e Homossexualidade”

  1. Cynara 6 de julho de 2011 às 13:33 #

    Pois é Daní…não sei no seu caso,mas geralmente estamos só quando tomamos esse tipo de iniciativa.
    Tenho um filho de 19 anos e desde sempre minha casa foi frequentada e nós sempre frequentamos as casas de nossos amigos e amigas homo,Ele sempre percebeu o amor como deve ser,entre pessoas,só isso. Foi tudo tão mas tão natural que ele nunca questionou.E eu amo isso!
    Agora,vc deve imaginar as besteiras que eu ouvia de várias pessoas né?

    • Daní Montper 6 de julho de 2011 às 13:45 #

      Olá, Cynara.

      Lá em casa não estou sozinha, minha irmã acha certo, mesmo não entendo de todo.

      Bacana sua atitude, deveria ser assim, encarado com naturalidade, afinal, amor não é algo natural e bom?

      Imagino sim, você deve ter sido discriminada por educar teu filho de forma tão livre! Um absurdo para os conservadores. Aff.

      Obrigada pela comentário.
      Bjs

  2. Fernando Borges 16 de maio de 2011 às 14:42 #

    Nossa, muito bom o seu texto.
    Vejo sua atitude com a sua sobrinha como exemplo a ser seguido.
    As crianças ainda hoje são criadas de forma a sentirem repúdio de casais homossexuais… Mas aos poucos, com comportamentos como o seu, talvez um dia esse cenário se modifique.

    Quando você falou da sensualização precoce das meninas, me lembrei de um vídeo muito interessante; não sei se você já assistiu, mas vou deixar o link aqui:
    http://www.youtube.com/user/anonymousyoung#p/a/f/1/WxCYBROiIZ0

    É um vídeo curto, de 31 segundos.

    • Daní Montper 16 de maio de 2011 às 15:14 #

      Olá, Fernando. Fico contente por entender minha reflexão e feliz por pensar o mesmo. Também acredito que isso possa mudar com o tempo, desde que os comportamentos mudem.

      Sobre o vídeo, obrigada por trazê-lo, a mídia é uma das preocupações nesse tema de sensualização precoce das crianças, aliás, acho que é a maior preocupação.

      Muito obrigada por seu comentário e achei seu blog bem legal, qualquer dia comento por lá.

      Abraços.

  3. Saulo Oliveira 23 de abril de 2011 às 13:55 #

    Daní, que maravilha de texto. Sensacional em sua história, perfeito em sua reflexão. Todos nós que fomos criados de uma certa forma que é comum achamos normal que só nosso comportamento é normal e temos sérias dificuldades em aceitar as diferenças. Ensinar uma criança a respeitar a diversidade faz com que ela no futuro não atire uma lâmpada em outras pessoas.
    Sobre clipes, tem um da Christina Aguilera intitulado “Beautiful” que é exatamente isso que seu texto diz. Tanto em questão da letra quanto do clipe mostra como temos dificuldade em aceitar quem é diferente.
    Mas uma vez parabéns pelo texto.

    • Daní Montper 23 de abril de 2011 às 15:51 #

      Obrigada, Saulo!
      Espero que a história ajude algumas pessoas, ainda que poucas, a perceberem como é importante educar a criança a respeitar a diversidade, mesmo não achando algum modelo o ideal – como minha irmã.
      Conheço a música Beautiful da Christina, mas acho que nunca vi o clipe, vou procurá-lo.
      Valeu pela dica e pelo elogio! xD

  4. Lola 22 de abril de 2011 às 11:10 #

    Obrigada por dialogar com meu post, Dani! É, quase sempre que eu tento colocar um comentário no meu blog aparece o aviso de ter excedido 4 mil caracteres (por que será, né?). No caso, é melhor cortar o comentário em 2 ou 3 ou 4. Mas o ideal mesmo, pra quem tem blog, é fazer um post com aquele comentário, como vc fez (e deixar um link pro post na caixa de coment. do blog que originou essa reflexão). Enriquece bastante a discussão!

    • Daní Montper 23 de abril de 2011 às 15:47 #

      Imagina, Lola, obrigada por sempre levantar ótimos temas para reflexões.
      Postei o link lá, pena que a discussão já tinha diminuído, mas espero que enriqueça mesmo.

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